Projetos para a Infância e Adolescência se fortalecem com aprovação da Lei 14.692/23


A Lei 14.692/23 permite a indicação de qual projeto receberá os recursos destinados aos Fundos da Infância e da Adolescência. Saiba como isso pode fortalecer iniciativas e OSCs!

Entrou em vigor nesta quarta-feira, dia 04 de Outubro, a Lei 14.692/23, que altera o art. 260 da Lei nº 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente). A alteração possibilita ao doador de recursos aos Fundos dos Direitos da Criança e do Adolescente indicar o projeto que receberá o recurso. 

A Lei promete trazer grandes benefícios para projetos da sociedade civil destinados às infâncias e juventudes em todo o Brasil. Mas para compreender a importância dessa aprovação, é preciso voltar um pouco no tempo e entender o contexto que levou a essa iniciativa legislativa. 

É importante lembrar que, apesar de ter como base um imposto de competência federal, que é o Imposto de Renda, os Fundos da Infância e Adolescência são instrumentos geridos de forma regional e funcionam de maneira descentralizada. 

Entendendo o contexto da Lei 14.692/23: qual foi a motivação para a alteração?

Isso significa que cada estado e cada município precisa criar e regulamentar os seus respectivos Fundos e, por isso, eles não operam exatamente da mesma forma em todos os lugares. Cabe aos Conselhos dos Direitos da Infância e da Adolescências a gestão, a definição das regras e a fiscalização dos Fundos. Dentre essas regras, uma das que se destaca é a que determina como será o processo de captação de recursos para os Fundos.

Os Fundos podem captar recursos de diferentes formas: 

  • Alguns permitem que a empresa, ao doar recursos via Imposto de Renda, indique um projeto específico dentre os aprovados pelo Conselho para destinação dos recursos. Seria essa a chamada chancela. 
  • Outros Fundos, em sua regulamentação, não permitem esse processo. Então a empresa doa o recurso incentivado ao Fundo, mas ela não sabe como ele será aplicado. O Conselho, posteriormente, decidirá como esse recurso será usado.

Em 2010, uma discussão jurídica começou a ganhar força em relação à possibilidade de empresas destinarem recursos para projetos específicos por meio dos Fundos da Criança e do Adolescente. O estopim desse debate foi a entrada de um processo movido pelo Ministério Público contra a União e o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – CONANDA, alegando que os artigos 12 e 13 da Resolução 137/2010 eram ilegais. Esses artigos eram a base que permitia que projetos recebessem aprovação e autorização para captar recursos. 

Em 2022 o processo obteve uma decisão liminar que declarou a nulidade dos artigos citados acima. O argumento foi de que a regulamentação por meio de uma resolução não era a forma adequada de estabelecer as regras para essa chancela. De acordo com o entendimento dos tribunais, essa regulamentação deveria ser feita por meio de uma lei. Essa decisão suspendeu a regulamentação do CONANDA em âmbito nacional e orientou os conselhos a seguir a legislação estadual e municipal.

Como o cerne dessa questão sempre foi mais sobre a inadequação do instrumento jurídico do que sobre a ilegalidade da chancela para projetos em si, essa decisão deu força, em 2022, ao Projeto de Lei n° 10433/2018, de autoria do deputado Eduardo Barbosa, que tramitava desde 2018. 

Lei 14.692/23: o que ela altera? 

Com a nova legislação, contribuintes, tanto pessoas físicas quanto jurídicas, poderão indicar diretamente quais projetos receberão os seus recursos de incentivo fiscal destinados ao Fundo da Criança e do Adolescente, dentre aqueles aprovados pelo Conselho.

É importante ressaltar que essa não é uma chancela aberta para qualquer iniciativa. Pelo contrário, somente projetos previamente aprovados e considerados importantes para a política pública pelo Conselho local serão beneficiados. Isso valida a prática já existente em muitas cidades do Brasil, onde o Conselho realiza um processo público de seleção, com regras claras que permitem a participação de todas as organizações da sociedade civil que se encaixam nos critérios estabelecidos.

Outro aspecto relevante da alteração no estatuto é a possibilidade de o Conselho fixar um percentual de retenção dos recursos captados, que será destinado a ações de universalidade dos fundos. Isso garante que fundos próprios sejam criados para beneficiar organizações que ainda não conseguem realizar captações de recursos por conta própria.

Além disso, a legislação estabelece que a captação de recursos de um projeto deverá ser realizada em um prazo de 2 anos, podendo ser prorrogada por igual período, dando prazo razoável para o processo de captação.

Por que essa alteração impacta positivamente as organizações?

Uma realidade conhecida por todos é que as empresas que utilizam recursos incentivados buscam, antes de tudo, segurança jurídica para seus investimentos. 

A formalização da opção do modelo de chancela oferece aos doadores, sejam eles empresas ou pessoas físicas, a oportunidade de escolher um projeto à qual desejem se vincular, com metas, cronograma e beneficiários já definidos. Isso permite, principalmente para empresas patrocinadoras, uma alocação mais estratégica dos seus recursos incentivados. 

No caso dos Fundos da Criança e do Adolescente, muitos dos municípios que optam por não adotar esse modelo de chancela se veem em uma situação delicada. Por não terem projetos previamente aprovados e chancelados, ao solicitar recursos incentivados de uma empresa estavam solicitando, basicamente, um “cheque em branco” para o conselho decidir como alocar aqueles recursos entre os diversos projetos disponíveis posteriormente. Isso não é um processo errado ou ilegal e pode fazer sentido para algumas localidades, mas na prática, afasta o interesse dos patrocinadores em realizar a doação, pela falta de controle que elas teriam sobre o investimento. 

Para perceber como isso ocorre, basta olhar para os dados de arrecadação de recursos por pessoas jurídicas nos Fundos em todo o Brasil disponibilizados pela Receita Federal. Comparando os números de Belo Horizonte (MG), São Paulo (SP) e Rio de Janeiro (RJ), é possível observar onde as empresas preferem investir.

No gráfico, podemos ver a discrepância entre a arrecadação e o número de doadores dos 3 municípios. Os FIAS de São Paulo e Belo Horizonte são municípios que possuem fundos com funcionamento organizado, publicizado e pautado na chancela. Já o FIA do Rio de Janeiro não permite a destinação de recursos da mesma forma e que possui processos que carecem de maior publicidade. Assim, fica claro porque as empresas ao escolherem entre essas localidades, optam pelos Fundos com chancela, o que significa também, processos públicos mais transparentes e previsíveis.

Outro ponto, é que organizações com projetos aprovados nos Fundos se mobilizam para buscar potenciais patrocinadores – podendo até mesmo contratar pessoal ou consultorias especializadas para apoiar esse processo. Na prática, onde há chancela, há projetos buscando empresas e apresentando as iniciativas das organizações dos municípios. Onde não há chancela, não há essa mobilização de fato, ou seja, ninguém efetivamente está trabalhando para buscar recursos para o Fundo. 

É importante notar que há uma espécie de competição entre os Fundos, uma vez que os recursos são sempre limitados e as empresas se organizam para escolher em qual município e projeto alocar seus recursos. Esse ambiente de competição pode também estimular uma maior eficiência na gestão dos Fundos e incentivar a qualificação dos projetos. 

Assim, é lógico pensar que o modelo de chancela atrai um maior número de atores interessados em alocar recursos, o que amplia significativamente o potencial de arrecadação dos Fundos da Infância e Adolescência como um todo.